Flipper Zero: O Dispositivo que Virou Arma de Ladrões de Carros na Internet

A Ascensão de uma Nova Ameaça no Roubo de Veículos

Nos últimos anos, a tecnologia tem avançado a passos largos, trazendo consigo inovações que transformam nosso cotidiano. No entanto, nem todas as inovações são utilizadas para o bem.

Um exemplo notável é o Flipper Zero, um pequeno dispositivo multifuncional que, apesar de ter sido criado com propósitos educacionais e de segurança cibernética, tem ganhado notoriedade por seu uso indevido em atividades criminosas, especialmente no roubo de veículos.

A crescente preocupação com a segurança automotiva tem levado autoridades e proprietários de carros a questionar como um gadget tão compacto pode se tornar uma ferramenta tão potente nas mãos de ladrões.

Este artigo explora o fenômeno do Flipper Zero, seu funcionamento, a forma como ele é explorado por criminosos e, mais importante, as medidas que podem ser tomadas para proteger seu veículo contra essa nova e preocupante ameaça digital.

O Que é o Flipper Zero e Como Ele Funciona?

O Flipper Zero é um dispositivo portátil de código aberto, com a aparência de um brinquedo, mas com capacidades de hardware e software que o tornam uma ferramenta poderosa para interagir com diversos sistemas digitais.

Ele foi projetado para ser uma “ferramenta multiuso para pentesters, geeks e hackers”, permitindo a exploração de uma vasta gama de tecnologias sem fio e de rádio. Suas principais funcionalidades incluem:

• Sub-1 GHz Transceiver: Permite a leitura, gravação e emulação de controles remotos de portões, barreiras, alarmes de carro e outros dispositivos que operam nessas frequências.
• RFID: Capacidade de ler, gravar e emular tags RFID de baixa frequência (125 kHz), comumente usadas em sistemas de controle de acesso.
• NFC: Suporte para Near Field Communication (NFC), possibilitando a interação com cartões de transporte, sistemas de pagamento e outros dispositivos NFC.
• Infravermelho (IR): Pode aprender e emular sinais de controle remoto infravermelho, permitindo o controle de TVs, aparelhos de ar condicionado e outros eletrônicos.
• iButton: Leitura e emulação de chaves iButton, usadas em sistemas de controle de acesso e leitores de temperatura.
• GPIO (General Purpose Input/Output): Permite a conexão com outros hardwares e a execução de scripts personalizados.

O funcionamento do Flipper Zero baseia-se na sua capacidade de interceptar, analisar e retransmitir sinais digitais. Por exemplo, ao se aproximar de uma chave de carro, ele pode capturar o sinal de destravamento e, posteriormente, retransmiti-lo para abrir o veículo.

Embora o firmware oficial do Flipper Zero contenha salvaguardas para evitar o uso malicioso (como a impossibilidade de retransmitir certos códigos de rolagem de chaves de carro), a natureza de código aberto do dispositivo permite que usuários instalem firmwares personalizados.

É nesses firmwares modificados, muitas vezes disponíveis em mercados clandestinos na internet, que residem as funcionalidades que permitem o uso do Flipper Zero para fins ilícitos, como o roubo de carros [1].

Flipper Zero e o Roubo de Carros: Entenda a Conexão

A conexão entre o Flipper Zero e o roubo de carros tem gerado grande debate. A Flipper Devices, fabricante do dispositivo, argumenta que o Flipper Zero, por si só, não é uma ferramenta de roubo de carros.

Eles enfatizam que o dispositivo foi criado para fins educacionais e de pesquisa, e que o firmware padrão não possui as capacidades para burlar os sistemas de segurança modernos de veículos.

No entanto, a realidade é que a comunidade de usuários, e infelizmente, também criminosos, desenvolveram e compartilharam firmwares customizados que contornam essas limitações [2].

O método mais comum de roubo de carros envolvendo o Flipper Zero é a clonagem do sinal da chave. Quando o proprietário do veículo aciona o controle remoto para destravar o carro, o Flipper Zero, com o firmware modificado, pode interceptar e gravar esse sinal.

Posteriormente, o ladrão pode “reproduzir” o sinal gravado para destravar o veículo. Em alguns casos, dependendo da vulnerabilidade do sistema de segurança do carro, o dispositivo pode até mesmo permitir a partida do motor.

É crucial entender que o Flipper Zero não “hackeia” o carro no sentido de quebrar sua criptografia ou invadir seus sistemas internos. Em vez disso, ele explora vulnerabilidades existentes em sistemas de entrada sem chave (keyless entry systems) mais antigos ou mal implementados.

Muitos veículos ainda utilizam códigos fixos ou sistemas de “rolling code” com falhas que podem ser exploradas por dispositivos como o Flipper Zero. A facilidade de uso do Flipper Zero, aliada à disponibilidade de firmwares maliciosos, o torna uma ferramenta atraente para criminosos que buscam uma maneira rápida e discreta de roubar veículos.

A Controvérsia: Ferramenta de Hacking ou Dispositivo Inocente?

A discussão em torno do Flipper Zero se intensificou com a decisão de alguns países, como o Canadá, de considerar a proibição do dispositivo. As autoridades canadenses argumentam que o Flipper Zero tem sido diretamente associado a um aumento nos roubos de carros, justificando a necessidade de restringir sua venda e importação.

Essa postura, no entanto, gerou uma forte reação da comunidade de segurança cibernética e da própria Flipper Devices.

A fabricante defende que banir o Flipper Zero é uma abordagem equivocada e que não resolve o problema fundamental das vulnerabilidades de segurança nos veículos. Eles argumentam que o dispositivo é uma ferramenta legítima para pesquisa de segurança, desenvolvimento e educação, e que a proibição seria um “caminho de responsabilidade zero” [3].

Em vez de culpar a ferramenta, a Flipper Devices e muitos especialistas em segurança cibernética sugerem que o foco deveria estar em forçar as montadoras a aprimorar a segurança de seus veículos, corrigindo as falhas que permitem tais explorações.

O cerne da controvérsia reside na distinção entre uma ferramenta e seu uso. Uma faca, por exemplo, pode ser usada para cozinhar ou para cometer um crime. Da mesma forma, o Flipper Zero, em sua essência, é uma ferramenta neutra.

O problema surge quando indivíduos com intenções maliciosas o utilizam para explorar falhas de segurança. A proibição de ferramentas como o Flipper Zero pode, paradoxalmente, dificultar o trabalho de pesquisadores de segurança que as utilizam para identificar e relatar vulnerabilidades, contribuindo assim para a melhoria da segurança geral.

Vulnerabilidades em Veículos: Quem Está em Risco?

Embora o Flipper Zero não crie novas vulnerabilidades, ele expõe e facilita a exploração de falhas existentes nos sistemas de segurança de veículos.

A principal vulnerabilidade explorada é a forma como os sistemas de entrada sem chave (keyless entry) e de ignição sem chave (keyless ignition) se comunicam com as chaves do carro. Veículos mais antigos ou modelos que utilizam tecnologias de segurança menos robustas são os mais suscetíveis.

Estudos e relatos indicam que milhões de carros de diversas montadoras podem estar em risco. Fabricantes como Chrysler, Dodge, Fiat, Ford, Hyundai, Jeep, Kia, Mitsubishi e Subaru foram citados como tendo modelos potencialmente vulneráveis a ataques de clonagem de chave via Flipper Zero [4]. A vulnerabilidade reside frequentemente em:

• Sistemas de Rolling Code Ineficazes: Muitos sistemas de chave remota utilizam um algoritmo de “rolling code” (código rolante) para gerar um novo código a cada uso, impedindo a retransmissão de um código antigo. No entanto, algumas implementações são falhas, permitindo que o Flipper Zero capture e retransmita o código antes que ele expire ou que o veículo o aceite.
• Frequências de Rádio Comuns: A utilização de frequências de rádio abertas e facilmente acessíveis torna a interceptação dos sinais mais simples.
• Falta de Autenticação Robusta: A ausência de mecanismos de autenticação mais fortes entre a chave e o veículo permite que um sinal clonado seja aceito como legítimo.

É importante ressaltar que a vulnerabilidade não está no Flipper Zero, mas sim na engenharia de segurança dos veículos.

A indústria automotiva tem sido historicamente lenta em adotar as melhores práticas de segurança cibernética, resultando em um grande número de veículos nas ruas com sistemas de segurança desatualizados e suscetíveis a ataques relativamente simples.

A conscientização sobre essas vulnerabilidades é o primeiro passo para que proprietários de veículos e montadoras tomem as medidas necessárias para mitigar os riscos.

Como se Proteger: Medidas para Evitar o Roubo de Carros com Flipper Zero

Diante da crescente ameaça que dispositivos como o Flipper Zero representam para a segurança automotiva, é fundamental que os proprietários de veículos adotem medidas proativas para proteger seus bens.

Embora nenhuma medida seja 100% infalível, a combinação de diferentes estratégias pode reduzir significativamente o risco de roubo. Aqui estão algumas recomendações essenciais:

Estacione em Locais Seguros e Iluminados

A escolha do local de estacionamento é crucial. Áreas bem iluminadas e com grande fluxo de pessoas ou câmeras de segurança podem dissuadir criminosos. Evite estacionar em locais isolados ou com pouca visibilidade, onde os ladrões podem operar com mais tranquilidade.

Utilize Dispositivos de Segurança Adicionais

Considere a instalação de dispositivos de segurança mecânicos ou eletrônicos que não dependam exclusivamente do sistema de entrada sem chave do veículo. Isso inclui:

• Travas de Volante: Uma trava física no volante pode dificultar a direção do veículo, tornando-o menos atraente para ladrões.
• Travas de Pedal: Dispositivos que travam os pedais do freio e da embreagem ou acelerador, impedindo a condução.
• Alarmes Pós-Venda: Alarmes com sensores de movimento, inclinação ou que detectam a abertura de portas podem fornecer uma camada extra de proteção.
• Rastreadores GPS: Em caso de roubo, um rastreador GPS pode auxiliar na localização e recuperação do veículo.

Proteja Suas Chaves

A chave do carro é o principal alvo dos criminosos que utilizam o Flipper Zero. Adote as seguintes práticas:

• Bolsas Faraday: Utilize bolsas ou caixas com revestimento de material que bloqueia sinais de rádio (gaiola de Faraday) para guardar suas chaves quando não estiverem em uso. Isso impede que o sinal da chave seja interceptado à distância.
• Distância da Porta: Evite deixar as chaves próximas à porta de entrada de sua casa, especialmente se o veículo estiver estacionado na rua ou em uma garagem de fácil acesso. Quanto maior a distância entre a chave e o carro, menor a chance de interceptação do sinal.
• Desative a Entrada Sem Chave (se possível): Alguns veículos permitem desativar temporariamente a função de entrada sem chave através das configurações do painel. Verifique o manual do proprietário do seu carro para saber se essa opção está disponível.
• Mantenha o Software do Veículo Atualizado: Embora nem sempre seja uma opção para veículos mais antigos, proprietários de carros mais novos devem verificar regularmente se há atualizações de software disponíveis para o sistema de segurança do veículo. As montadoras podem lançar patches para corrigir vulnerabilidades conhecidas.
• Conscientização e Atenção: Esteja sempre atento ao seu redor, especialmente ao destravar e travar o carro. Se notar pessoas ou veículos suspeitos, evite acionar o controle remoto da chave imediatamente. Em vez disso, trave o carro manualmente ou espere até estar em um local seguro.
• Consulte um Especialista: Se você tem preocupações específicas sobre a segurança do seu veículo, procure um especialista em segurança automotiva ou um instalador de alarmes e rastreadores para avaliar as melhores opções de proteção para o seu modelo de carro.

A implementação dessas medidas pode não apenas proteger seu veículo contra o roubo facilitado pelo Flipper Zero, mas também contra outras formas de furto e roubo de carros, garantindo maior tranquilidade e segurança para você e sua família.

O Futuro da Segurança Automotiva e o Papel da Tecnologia

O surgimento de dispositivos como o Flipper Zero e sua utilização em atividades criminosas servem como um alerta para a indústria automotiva e para os desenvolvedores de tecnologia.

A segurança dos veículos não pode mais ser vista como um item secundário, mas sim como um pilar fundamental no design e na engenharia de novos modelos.

O futuro da segurança automotiva dependerá de uma abordagem multifacetada que combine inovações tecnológicas, colaboração entre setores e conscientização dos consumidores.

Algumas tendências e desenvolvimentos que podem moldar o futuro da segurança veicular incluem:

• Criptografia Mais Robusta: A implementação de algoritmos de criptografia mais avançados e seguros para a comunicação entre chaves e veículos é essencial. Isso inclui o uso de chaves criptográficas de uso único e aprimoramento dos sistemas de rolling code para torná-los mais resistentes a ataques de retransmissão.
• Autenticação Multifator: Assim como em sistemas de segurança digital, a autenticação multifator pode ser aplicada a veículos. Isso poderia envolver a combinação do sinal da chave com biometria (impressão digital, reconhecimento facial) ou um código PIN inserido no veículo para autorizar a partida.
• Tecnologias de Banda Ultra Larga (UWB): A tecnologia UWB oferece maior precisão na localização e na medição de distância, o que pode dificultar ataques de retransmissão. Ao saber a distância exata da chave, o veículo pode ignorar sinais que parecem vir de muito longe, mesmo que tenham sido retransmitidos.
• Sistemas de Detecção de Intrusão: Veículos equipados com sistemas avançados de detecção de intrusão podem identificar padrões de comportamento incomuns ou tentativas de acesso não autorizado, alertando o proprietário e/ou as autoridades.
• Atualizações de Software Over-the-Air (OTA): A capacidade de realizar atualizações de software remotamente permite que as montadoras corrijam vulnerabilidades de segurança de forma mais rápida e eficiente, sem a necessidade de recalls físicos.
• Colaboração entre Indústrias: A colaboração entre montadoras, empresas de tecnologia, pesquisadores de segurança e agências governamentais é crucial para identificar e mitigar novas ameaças. A troca de informações e o desenvolvimento de padrões de segurança unificados podem fortalecer a resiliência de toda a frota de veículos.
• Educação do Consumidor: É vital educar os proprietários de veículos sobre os riscos existentes e as melhores práticas de segurança. A conscientização sobre como os ladrões operam e as medidas preventivas que podem ser tomadas é uma ferramenta poderosa na luta contra o roubo de carros.

O Flipper Zero, embora controverso, desempenhou um papel importante ao expor as fragilidades da segurança automotiva atual.

Ao invés de ser visto apenas como uma ameaça, ele pode ser encarado como um catalisador para a inovação e o aprimoramento contínuo dos sistemas de proteção veicular, impulsionando a indústria a construir carros mais seguros para o futuro.

Conclusão: Conscientização e Prevenção São Chaves

O Flipper Zero é um exemplo claro de como a tecnologia, em mãos erradas, pode ser utilizada para fins maliciosos. No contexto do roubo de carros, ele se tornou um símbolo da crescente sofisticação dos métodos utilizados por criminosos.

No entanto, é fundamental reiterar que o problema não reside no dispositivo em si, mas nas vulnerabilidades inerentes aos sistemas de segurança de muitos veículos.

A batalha contra o roubo de carros, especialmente aquele facilitado por ferramentas como o Flipper Zero, exige uma abordagem multifacetada.

Por um lado, as montadoras têm a responsabilidade de investir em tecnologias de segurança mais robustas e de implementar atualizações que corrijam as falhas existentes.

Por outro lado, os proprietários de veículos devem se conscientizar sobre os riscos e adotar medidas preventivas, desde a escolha de locais de estacionamento seguros até o uso de dispositivos de proteção adicionais e a blindagem de suas chaves contra a interceptação de sinais.

Em última análise, a conscientização e a prevenção são as chaves para mitigar essa nova ameaça. Ao entender como o Flipper Zero e ferramentas similares operam, e ao implementar as medidas de proteção adequadas, podemos reduzir significativamente a vulnerabilidade de nossos veículos e contribuir para um ambiente mais seguro para todos.

Perguntas Frequentes(FAQ)

Referências

O site Notícias Automotivas relata que o Flipper Zero, vendido livremente na internet, está sendo usado por criminosos para destravar veículos, especialmente com o uso do firmware “Unleashed” que amplia suas capacidades ilegais https://www.noticiasautomotivas.com.br/flipper-zero-dispositivo-vendido-na-internet-vira-nova-arma-de-ladroes-de-carros

A Garagem360 explica como o Flipper Zero representa um risco crescente para montadoras como Honda, Nissan e Hyundai, destacando a facilidade de acesso ao firmware modificado https://garagem360.com.br/este-dispositivo-eletronico-provavelmente-permitira-que-ladroes-roubem-seu-carro

O portal Pplware mostra como o dispositivo pode abrir portas de carros de marcas como Audi, Ford e Kia, e menciona que o aparelho é vendido na Dark Web com modificações perigosas https://pplware.sapo.pt/gadgets/cuidado-flipper-zero-consegue-abrir-portas-de-carros-audi-ford-kia-e-outros

Segundo o Avalanche Notícias, hackers estão usando o Flipper Zero para explorar vulnerabilidades em sistemas automotivos, com destaque para o caso dos “Kia Boys” nos EUA https://avalanchenoticias.com.br/carros-motos-veiculos/hackers-transformam-flipper-zero-em-uma-ferramenta-universal-para-roubo-de-carros-2

O Olhar Digital explica o que é o Flipper Zero, suas funções e por que foi considerado ilegal pela Anatel, alertando sobre os riscos à segurança digital e física https://olhardigital.com.br/2023/08/20/seguranca/flipper-zero-o-que-e-e-para-que-serve-e-por-que-e-ilegal-no-brasil